05 maio 2007

De Kátia Borges

Recebi esse poema de uma amiga. Singelo, simples e composto com o coração.

Abraços!


Minha avó era cega.
Dela, herdei a capacidade de ver sem usar os olhos.
E a paixão por uns sambas antigos.
Partido alto, dona Ivone Lara.
Minha avó era alta.
Os cabelos muito lisos e compridos envolviam a cintura.
Eram penteados com cuidado, todas as tardes, e presos em um coque.
Os vestidos, de tecido barato, quase cobriam os pés.
Minha avó contava histórias de assombrar, ensinava a amar certas canções
E fazia predições todo final de ano.
Eu fugia com medo do futuro, e me escondia no quarto.
O presente me bastava com seus fantasmas e as notícias do mundo no Fantástico.
Minha avó gostava de beber aperitivos, de mascar fumo
E de me ouvir cantar uma música de um português chamado Hermes Aquino.
Poucos se lembram dele. Poucos se lembram dela. Poucos se lembrarão de mim.
Minha avó era cega.
Dela, herdei a capacidade de ver sem usar os olhos.
(Kátia Borges)