Aos Velhos no Espelho
Ontem, pela primeira vez, por um desses acasos-armadilha que a vida cuidadosa e pacientemente, ao longo de muitos anos, arquiteta, prepara, edifica e engatilha, ele foi visitar um depósito de velhos. Velhos que os jovens não querem, ou não podem querer, nem cuidar; que muitos escondem, velhos-abominação, velhos-vergonha, velhos-dor-e-solidão, estranhos velhos que são ao mesmo tempo memória e esquecimento, velhos que sintetizam e condensam em si toda a dor da solidão-ocaso.
Que triste a sina humana de sempre se morrer na dor. Sim, a dor, esse laço único, imenso e de força descomunal que, indiferente à nossa mais obstinada vontade, nos desdenha, iguala e reduz a um ponto só. Ou morre-se prematuramente, tragicamente, porque toda a morte é sempre uma tragédia, seja ela pontual ou gigantesca, mas sempre uma tragédia; ou morre-se assim, à míngua, entediado da rotina de se viver tanto, contudo, incompleto do que ele nem soube definir enquanto esteve imerso naquele obscuro depósito de velhos.
Seca-se lentamente de algo essencial, disso que não é nem saúde, nem dinheiro, nem nada que a cobiça ou que os instintos desejem; talvez isso que evapora, que esvanece, seja apenas o que se busca desde sempre e para sempre: a felicidade, o sorriso nos olhos, essa alegria genuína que, nesse ponto da vida pode ser contida, por mais exuberante que a palavra felicidade possa parecer, apenas no simples, minúsculo e pontual afeto, num gesto de carinho sincero, num deslizar de mãos pela face, encerrada num beijo de eu-te-amo-só-porque-te-amo, como o que ele recebeu dela, num dado e inesperado momento, daquela doce e gentil velha que esperava pela visita dos netos que jamais a visitariam, mas para quem ela mesma buscava as razões improváveis, talvez pela chuva que caía, talvez pelo temporal que viria, talvez pela correria da vida, talvez por todos os motivos que bastassem para justificar a indiferença e a pouca ou a inexistente gratidão daqueles que se originaram dela e de quem, certamente, algum dia ela cuidou e embalou e protegeu e acariciou e beijou e para quem ofertou tantas vezes aquele mesmo gesto simples, mas de uma eloqüência que dispensava qualquer palavra, agora destinado ao estranho sentado ao seu lado.
Ontem ele foi visitar um depósito de velhos e uma dor incômoda e latejante ainda inunda os seus sentidos e a sua consciência e escorre-lhe discreta pelos olhos e, assim como a vida, esse desconserto não tem dia marcado para acabar, nem para começar a secar, como tem a felicidade. Ah, essa estupidez humana, essa cegueira, essa insensibilidade absurda para o que é tão verdadeiramente essencial! Tudo isso estava ali, doidamente exposto, naquele depósito de velhos.
Ontem, pela primeira vez, por um desses acasos-armadilha que a vida cuidadosa e pacientemente, ao longo de muitos anos, arquiteta, prepara, edifica e engatilha, ele foi visitar um depósito de velhos. Velhos que os jovens não querem, ou não podem querer, nem cuidar; que muitos escondem, velhos-abominação, velhos-vergonha, velhos-dor-e-solidão, estranhos velhos que são ao mesmo tempo memória e esquecimento, velhos que sintetizam e condensam em si toda a dor da solidão-ocaso.
Que triste a sina humana de sempre se morrer na dor. Sim, a dor, esse laço único, imenso e de força descomunal que, indiferente à nossa mais obstinada vontade, nos desdenha, iguala e reduz a um ponto só. Ou morre-se prematuramente, tragicamente, porque toda a morte é sempre uma tragédia, seja ela pontual ou gigantesca, mas sempre uma tragédia; ou morre-se assim, à míngua, entediado da rotina de se viver tanto, contudo, incompleto do que ele nem soube definir enquanto esteve imerso naquele obscuro depósito de velhos.
Seca-se lentamente de algo essencial, disso que não é nem saúde, nem dinheiro, nem nada que a cobiça ou que os instintos desejem; talvez isso que evapora, que esvanece, seja apenas o que se busca desde sempre e para sempre: a felicidade, o sorriso nos olhos, essa alegria genuína que, nesse ponto da vida pode ser contida, por mais exuberante que a palavra felicidade possa parecer, apenas no simples, minúsculo e pontual afeto, num gesto de carinho sincero, num deslizar de mãos pela face, encerrada num beijo de eu-te-amo-só-porque-te-amo, como o que ele recebeu dela, num dado e inesperado momento, daquela doce e gentil velha que esperava pela visita dos netos que jamais a visitariam, mas para quem ela mesma buscava as razões improváveis, talvez pela chuva que caía, talvez pelo temporal que viria, talvez pela correria da vida, talvez por todos os motivos que bastassem para justificar a indiferença e a pouca ou a inexistente gratidão daqueles que se originaram dela e de quem, certamente, algum dia ela cuidou e embalou e protegeu e acariciou e beijou e para quem ofertou tantas vezes aquele mesmo gesto simples, mas de uma eloqüência que dispensava qualquer palavra, agora destinado ao estranho sentado ao seu lado.
Ontem ele foi visitar um depósito de velhos e uma dor incômoda e latejante ainda inunda os seus sentidos e a sua consciência e escorre-lhe discreta pelos olhos e, assim como a vida, esse desconserto não tem dia marcado para acabar, nem para começar a secar, como tem a felicidade. Ah, essa estupidez humana, essa cegueira, essa insensibilidade absurda para o que é tão verdadeiramente essencial! Tudo isso estava ali, doidamente exposto, naquele depósito de velhos.
4 Comments:
Mas sabe que por causa desta minha relutância em não querer filhos, meu destino mais certo é o depósito de velhos?
Meu amigo, estupendamente fantástico esse teu texto! Fazia tempo que eu não navegava por aqui, já que você também não! rs Você tem muito mais escondido nessa tua cachola criativa, põe pra fora, po! rs
Abraço
Olá, Elcio! Não sei se este blog está desatualizado,mas era meu único contatocom você. Pode ser que nem veja este comentário,mas tenha certeza que foi uma página tocante.
Depósito de velhos! Imagem muito forte.
Adorei!
Beijos!
Que seu Natal seja repleto das bençãos de Deus.
beijos
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